BOSTA LAVADA EM TRÊS CAPÍTULOS (*)
Por Jair Alves – dramaturgo e escritor
Capítulo 1 - O HORROR
Por que será que até muito poucos anos atrás programas de tevê que exploravam a desgraça humana atingiam índices de audiência alarmantes, e hoje essa audiência diminuiu significativamente? Esses programas projetaram nacionalmente apresentadores sensacionalistas, como José Luiz Datena e Márcio Resende. Tal tipo de apresentador ganhou força com discurso conservador, exigindo das autoridades medidas imediatas e urgentes. Nenhum deles, contudo, ousou denunciar a própria polícia como parte dessa violência. A tônica foi sempre contra uma autoridade onipresente, que tanto poderia ser o executivo, como o próprio legislativo que não cuidava de criar leis mais severas contra o crime. A resposta, talvez, esteja no fato de essa população desprotegida, que tanto colaborou com o aumento da audiência e dos salários desses profetas de feira, ter se conscientizado que não basta um executivo alinhado aos anseios populares e polícia (em especial a Polícia Federal) prendendo gente poderosa. É preciso, pacientemente, mudar as demais estruturas da sociedade, o judiciário e um tal quarto poder - os meios de comunicação. Essa necessidade de mudança se sobrepôs às demais demagogias que ainda aqui e ali insistem em permanecer. Fora isso, a realidade tem sido mais escandalosa, verdadeiramente, do que o pandemônio criado pelos apresentadores dos programas ditos policiais. Como conseqüência, a audiência caiu.
Capítulo 2 - CAPACIDADE DE SE INDIGNAR
Em recente programa, veiculado pela Record News(**), a jovem jornalista Adriana Araújo, ao debater com seus convidados sobre o ocorrido no interior do Pará insistia em querer saber se nossa capacidade de indignação tinha se diluído. Essa ansiedade destoa dos demais profissionais da emissora, que tem pautado pela discrição. Tardia encenação da jornalista que precisa tomar cuidado para não se credenciar a ser um desses profetas do fim do mundo. Ao ler a minha pergunta ao Promotor Paulo Affonso (SP), sobre como seria a participação do Conselho Tutelar de Diadema, ela cortou a parte que remetia aos descalabros que desde a muito vem ocorrendo com menores e mulheres, nas prisões brasileiras. A ânsia de punir os agentes públicos mais diretamente ligados ao caso do Pará, reduziu a questão a um “arroto”.
A realidade é muita mais sofisticada do que uma simples escolha de “quais cabeças devem rolar?” A sensatez de dois convidados naquela noite indicou que a sociedade brasileira precisa olhar e ver o tipo de política carcerária que vem financiando e decidir se é isso mesmo o que quer. A origem do problema está quando se aceita como imutável a máxima de que é preciso prender e matar “tudo quanto é bandido e contraventor”. Precisamos discutir quais instrumentos a sociedade oferece para um inocente se defender. Por outra é preciso discutir também em que medida a situação privilegiada de determinados criminosos e contraventores poderá levá-los à impunidade.
Capítulo 3 - AS ENTRANHAS DE TODOS NÓS
Por que temas como o trabalhado no livro VALE DA M causam tanto nojo e repugnância na maioria das editoras do país, indiferença na maioria das editorias dos jornais diários, e uma espécie de “censura branca” do Ministério da Cultura, impedindo que o projeto BOSTA LAVADA se credencie a receber patrocínio de pessoas físicas e jurídicas? O caso CNIC&BOSTA LAVADA se vê demonstrado nas mesmas questões dos capítulos anteriores, ou seja, há uma espécie de index (rol de assuntos e pessoas) que não podem ser discutidos, tão pouco levado a êxito. É como se fosse um selo de morte, carimbado em qualquer que seja o assunto relacionado à miséria humana. De nada adianta a ONU, no mesmo ato em que reclassificou o Brasil em posição melhorada, em relação ao IDH, apontar que a situação do saneamento básico no país está próxima a Nações africanas. Os olhos não abrem, e se abrem não vêem apesar das evidencias. Da mesma forma como vemos o escândalo da precariedade do saneamento básico no Brasil, vemos a situação carcerária, e da justiça social idem. Os incautos que se aventuram a meter a mão na massa orgânica de nosso mundo social seja ele presidente da república, jornalista, cientista ou mesmo um modesto artista acaba sendo condenado ao escárnio. Por outra, toda obra tem um final, mesmo que seus efeitos sejam notados muito tempo depois. É com esse espírito que difundimos nossa convicção de que é preciso navegar. Como diria o poeta - “vou brigar com a ignorância, vão me matar por qualquer pretexto”. E a água escura percorrerá um longo caminho, até o sertão nordestino, e lá vai chegar transparente como propõem os dois personagens de o VALE DA M.
(*) Projeto artístico enviado ao Ministério da Cultura, que deu origem ao Livro VALE DA M
(**) Entrevista Record , levado ao ar diariamente pela Record News, sobre temas diversos da atualidade.
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
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