(Texto do jornalista Fernando Pacheco Jordão, baseado em notícias da invasão do Iraque)
Apresentação: Ator e dramaturgo Jair Alves)
Sexta-feira, 28 de março de 2003. Manhã tranqüila, operações de rotina no posto de controle instalado na estrada a caminho de Bagdá pelos fuzileiros navais americanos. O comandante do posto é o jovem capitão Andrew, orgulho de uma família modesta do Colorado. Binóculo sempre apontado para o horizonte, sua ordem é não deixar passar nenhum soldado de Saddam.
“Vem gente!” Andrew enquadra no binóculo um táxi que vem chegando. Anda devagar, carro velho, avança meio torto, bamboleia, o escapamento tosse barulhento.
“Alguém chamou um táxi?” – o capitão ainda brinca. Seus marines riem da piada.
O beduíno desce do carro, faz gestos de quem precisa de ajuda. “Também com aquela geringonça velha onde achou que ia chegar?”
O capitão destaca 4 subordinados para dar uma mão ao beduíno.
“Estamos aqui para isso mesmo, para ajudar. Conquistar corações e mentes”.
Os quatro marines caminham até o táxi. Educados, atenciosos.
“Cuidado! Párem! Stop! Carro-bomba!”
Tarde demais. O grito perdeu-se no ar. Explode o táxi-bomba e com ele o beduíno e os 4 marines. Coitados, muito educados.
O capitão Andrew está perplexo: “Não sei o que pode ter motivado esse cara a matar-se”.
“Para mim não é um ato de guerra. Um homem, num carro civil, se explodindo, é um ato de terrorismo. É terrorismo! Da próxima eu atiro primeiro! Motherfuckers!”.
Segunda-feira, 31 de março de 2003. Outra manhã tranqüila no posto de controle instalado na estrada a caminho de Bagdá pelos fuzileiros navais do capitão Andrew, jovem orgulho de uma família modesta do Colorado.
Binóculo em punho, o capitão vê se aproximar do posto uma van.
Desta vez, fica alerta. Lembra-se imediatamente do beduíno do táxi:
(Irado) “Aquele desgraçado! Traiçoeiro! Terrorista! Motherfucker! (tom exaltado de xingamento definitivo) Árabe!”
A van estava ainda longe, mas o capitão Andrew resolve não facilitar.
“Tão pensando o que esses beduínos? A postos! Objetivo na mira! Se não parar, atirem!”
A van não pára.
“Fogo!”
O artilheiro do canhão era o mais assustado, não deu tempo aos fuzis. Buuuum! Motor pelos ares, pneus voando, estilhaços a grande distância.
O capitão Andrew estufa o peito, sorri, orgulhoso. Valeu ter aprendido a lição. Depois daquele maldito táxi nunca mais cairia em outra.
“Tão pensando o que esses beduínos?”
Junto aos destroços da van, estendidas na areia, como mortalhas, burcas negras empapadas de sangue.
11 mortos - mulheres e crianças.
“Deus abençoa a América!”
“Sabem por que Deus abençoa a América? Abençoa porque nós somos mais inteligentes, porque somos mais ricos, porque somos mais bonitos! (Cada vez mais empolgado) SOMOS MAIS FORTES!”
“Ouviram?”
“Tão pensando o que esses beduínos?”
“Tão pensando o que esses cucarachos?”
“Tão pensando o que... tão pensando o que... esses restos do mundo?”
“Motherfuckers!”
“God bless America!”
Ator tira do bolso bandeirinha americana e a levanta em triunfo. Sái de cena marchando, bandeirinha apoiada no ombro, assobiando ou cantarolando junto com a música
domingo, 5 de agosto de 2007
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