(Textos explicando ao público do que se trata o evento - do dramaturgo Jair Alves)
(Texto 1 - Apresentação: Atriz Suia)
Estamos reunidos hoje aqui, atores, jornalistas, dramaturgos, poetas, cidadãos de um mundo que se tornou pequeno. Pequeno, não apenas no tamanho e distância, mas na escolha de dirigentes transcontinentais que dispõem, sem consulta, da vida de milhões e milhões de outros cidadãos.
Não somos reféns da insanidade daqueles que se reconhecem Deuses. Somos vítimas da mesma fraude. Este é um Ato de solidariedade a todas as vítimas que, neste momento, perdem casa, familiares e a própria vida. Como artistas que somos, não nos resta o silêncio, mas o grito - NOSSA ARTE.
(Texto dramaturgo Jair Alves)
(Texto 2 - Apresentação: Atriz Suia)
Pedimos socorro ao mundo para salvar o mundo. Evocamos nessa noite a proteção de nossos antepassados. Ainda que tenhamos dividido com eles outros momentos de solidariedade, como essa noite, evocamos sua grandeza na tarefa de reconstruir cada centímetro, destruído pelas bombas e outras armas produzidas pela modernidade.
Pedimos a proteção dos jornalistas, Jorge Batista, Perseu Abramo e Vladimir Herzog e dos artistas populares, Plínio Marcos e João do Valle.
ESTAMOS AQUI REUNIDOS PARA COMBATER TODAS AS GUERRAS !
(Texto dramaturgo Jair Alves)
(Texto 3 - Apresentação: Atriz Suia)
EM VERDADE VOS DIGO, não viemos aqui para pregar a Paz. Estamos nesse palco, unidos para destruir a origem de todas as guerras - A OPRESSÃO. Essa mãe que pariu: a miséria social; a submissão de um povo por outro; a tortura e a humilhação, a censura; a fome; o fim de todos os mundos. Estamos aqui reunidos para inventar um outro mundo, preparando a GERAÇÃO PÓS-GUERRA 2003.
A guerra se materializa, na contabilidade dos mortos e mutilados, nas doenças e nos escombros. A paz, não. É INVISÍVEL. A paz será a conseqüência dessa luta.
A guerra é a subjugação de uma Nação por outra, mas nem sempre é assim. Existem outras guerras, a guerra social continuada, por exemplo, onde nem todos os mortos entram nas estatísticas. E, nessa outra guerra, identificamos aqui e ali personagens promotores dessa luta justa, como os que hoje lembramos. HEI-LOS, NESSE PALCO!
MUSEU DE HORROR
(Texto Audálio Dantas)
(Apresentação: Atriz Ana Lúcia Torre)
Meu nome é Intisar Al-Samarri . Sou guia aqui neste museu de Bagdá.
Não é um museu como os outros, que mostram as coisas que o homem constrói.
Aqui se conta a tragédia da destruição.
A destruição da vida.
Este é um museu de horror. Antes era um abrigo, o Abrigo de Almiyria, um bairro residencial de Bagdá.
Deixou de ser abrigo na madrugada de 14 de fevereiro de 1991.
Meu ofício é contar o que aconteceu aqui naquela madrugada.
Minha primeira filha, que tinha um ano de idade, poderia estar aqui, juntamente com outras crianças (eram cerca de quatrocentas), mas ficou em casa, dormindo apesar do estrondo das bombas que caíam sobre a cidade. Por isso está viva, é uma mocinha de 13 anos.
As outras todas morreram naquela madrugada.Também morreram outras pessoas – mulheres e velhos.
O abrigo era uma construção sólida, feita para proteger civis das tempestades de bombas. Mas não resistiu ao impacto de um míssil que – disseram depois – foi lançado por engano. Atrás dele vieram bombas que explodiram no interior do abrigo.
Olhando para cima pode-se ver o rombo deixado pelo míssil no teto do que era um abrigo e hoje é este museu de horror. É uma imensa ferida a exibir as entranhas do concreto.
As paredes resistiram, mas com o impacto das explosões as pessoas se desfizeram em pedaços.
As marcas de vários corpos, ou de partes deles, ainda podem ser vistas nas paredes e no teto impregnados dessa tinta escura e oleosa, mistura de fumaça e sangue.
Inteiras, como eram, algumas pessoas podem ser vistas em fotografias. Muitas crianças estão sorrindo nas fotografias.
Sorriem o sorriso que perderam para sempre.
E eu aqui, a chorar por elas, chorar por dentro enquanto conto esta história, dia após dia.
Tenho que dizer que não posso fazer isso no tom profissional dos guias de museu.
Todos os dias, contando esta história, não consigo dar às minhas palavras o tom neutro e ensaiado dos guias de museu.
Porque este – vocês estão vendo - é um museu de horror.
A indignação que vocês percebem em minha voz não é só minha. Ao narrar a tragédia estou certa de que sou acompanhada por um imenso coro formado por todas as mães do Iraque.
Elas não estão aqui, mas compõem esse coro, mesmo que guardem o seu silêncio indignado.
Agora, que eles voltaram em sua segunda guerra contra o nosso povo, muitas daquelas mulheres já não fazem parte do coro.
Foram silenciadas para sempre. As bombas as alcançaram na fuga desesperada ou em suas casas, nos mercados, no que resta das plantações, até nos hospitais.
As que escapam das bombas derramam o que lhes resta de lágrimas pelos que tombam. Maridos, filhos, pais, vizinhos, amigos.
Até outro dia, antes que eles voltassem, eu imaginava que não poderia haver horror maior do que o que ocorreu aqui neste museu de horror.
Mas agora, que eles voltaram e vão deixando o seu rastro maldito por onde pisam nesta minha terra que foi berço da civilização e hoje é campo devastado, vejo o meu povo sofrendo o horror dos horrores.
Sob a minha terra borbulha o petróleo, a lama negra que eles vêm buscar.
E por isso encharcam de sangue essa terra – o País dos Dois Rios.
O Tigre, o Eufrates em cujas margens o Homem se fixou, deixando de ser nômade, construiu as primeiras cidades, criou a escrita cuneiforme, acumulou tesouros de arte.
Esses rios hoje tintos de sangue.
E AGORA, GEORGE?
(Texto de Izaías Almada)
(Apresentação: ator Renato Borghi)
Nada, absolutamente nada, justifica a guerra, seja ela ‘preventiva’, ‘defensiva’ ou mesmo ‘santa’. Quando a possibilidade do diálogo se esgota, o melhor ainda é refletir, ponderar, procurar entender os argumentos do oponente, buscar novas saídas. A guerra é o atalho dos desesperados, dos que não são capazes de usar aquilo que o ser humano tem de melhor: sua capacidade de pensar e de amar.
Um grupo de senhores do meio-oeste, ainda com as mãos sujas de graxa e petróleo, resolveu manchá-las também com sangue. Com o sangue inocente de homens, mulheres e crianças, cujo único ‘crime’ foi o de terem nascido sobre uma inesgotável fonte de energia e riqueza.
A história do homem mudou um pouco em 11 de setembro de 2001; mudou um pouco mais em 19 de março de 2003. Em nome de crenças e interesses econômicos que privilegiam apenas os senhores da guerra, os do meio-oeste texano e seus capatazes ao redor do mundo, diminuiu-se o espaço da inteligência, confinou-se a razão, aprisionou-se o amor e a poesia...
E agora, George? E agora, senhor deus dos céus, dos mares e de terras arrasadas? Teremos todos que nos submeter à sua vontade e a dos seus guerreiros fantoches? Sentaremos à mesa com nossos filhos e agradeceremos o pão nosso de cada dia com a consciência tranqüila de que o mundo que você nos oferece é o melhor dos mundos possíveis? Enfeitaremos nossas filhas adolescentes com flores e frescos perfumes para que recebam em triunfo seus marines carniceiros com suas botas sujas com a merda e o sangue de milhares de inocentes?
E agora, infeliz George? É essa a liberdade que você tem para nos oferecer? A paz e a tranqüilidades dos cemitérios? Por acaso não lhe ocorreu ainda que no outro extremo do pensamento humano no qual você se encontra se acham homens como Kant, Hegel, Shakespeare, Rimbaud, Garcia Lorca e Saramago, apenas para citar pouquíssimos exemplos, mas que nos dão com a sua obra a garantia de que você não triunfará?
E agora, George, boçal? Espera que injetemos coca-cola em nossas veias e entupamos nossos cérebros com hambúrgueres e catch-ups, como você faz com seus infelizes soldados? Ou você se esquece que o mesmo homem que pode inventar esses terríveis brinquedinhos com que você ameaça o mundo, poderá um dia – quando não existirem mais carniceiros como você – também destruí-los?
Como dói ver triunfar a hipocrisia, a mentira, a injustiça, a arrogância, a estupidez de um grupo de fanáticos armados até os dentes. Como dói ouvir seus discursos elaborados com a insensibilidade de uma torre de petróleo e dirigido a boçais como você?
E agora, George, criminoso de guerra? Qual será o próximo demônio a exorcizar? Antes que você o faça, queremos, aqui de longe, lançar contra você e seus imorais comparsas, um ataque com arma não convencional. Uma arma produzida em laboratório que você não pode destruir e que é muito mais devastadora do que qualquer outra já produzida pelo homem. Uma arma que está além do alcance da sua inteligência, que já é pouca. Essa arma foi produzida antes da segunda guerra mundial por um cientista da alma humana, uma espécie de alienígena para a sua sensibilidade, anotada em língua latina e cuja fórmula pode ser encontrada num pequeno baú na cidade de Lisboa. Está lá escrito:
O poeta é um fingidor,
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor,
A dor que deveras sente.
domingo, 5 de agosto de 2007
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