Jair Alves – dramaturgo/SP
Nos últimos dias me preparava para provocar o escritor Deonísio da Silva, sugerindo a ele que escrevesse um texto que tivesse como tema algo parecido a - A Origem das Expressões, visto a enorme importância de seu livro De Onde Vêm as Palavras. E por que isso? Já há semanas, com o desfecho da primeira parte do julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal), envolvendo Zé Dirceu e outros, vinha me perguntando desde quando a expressão Quarto Poder é usada na literatura corrente. Rápido no gatilho, como sempre, Deonísio me manda um Emilio, como diria Saramago, avisando que a expressão teve sua origem identificada no seu livro A Vida Intima Das Frases(*), conforme se pode ler abaixo.
Minha intenção era esperar um pouco mais, até a poeira baixar, para trazer à tona uma pequena questão que pudesse, quem sabe, identificar o erro político mais grave do o ex-deputado, ex-ministro, ex-presidente partido do presidente da Nação Brasileira, como ele mesmo vem se assumindo. Dizia Lélia Abramo que em política você não pode errar, isso pode ser fatal. Pelo visto, Zé Dirceu errou mais de uma vez, mas o que é preciso que se diga que isso nada tem a ver com falcatrua e corrupção. Pelo que posso acompanhar à distância não é possível identificar nenhuma pisada na bola do mais famoso e polêmico líder estudantil que o Brasil produziu. Espero, sinceramente, que o Judiciário lhe faça justiça, uma vez que o Quarto Poder já o condenou. O que está em questão agora - e parece que ele mesmo está disposto a aceitar - é o erro político que ele, por ventura, tenha cometido. Nesse contexto, esse modesto escriba tem algo a revelar.
Pouca gente sabe, mas o grande ídolo de Zé Dirceu foi o jornalista Cláudio Abramo, sem contar, é claro, com o respeito que ele sempre dedicou a Perseu (sobrinho de Cláudio) e à própria Lélia. Respeitar também não significa ouvir, conforme veremos. Zé Dirceu chegou, inclusive, a fazer algumas incursões pelo jornalismo, mas aconselhado por Cláudio desistiu. Isso tudo ele reconhece humildemente, embora para muitos possa parecer engraçado. Pois bem, talvez o grande erro de Zé Dirceu tenha sido não avaliar corretamente o papel da imprensa, nos tempos modernos. Quem sabe, se Deonísio tivesse escrito A VIDA INTIMA DAS FRASES há mais tempo nossa história teria sido diferente?
No início de 1994 escrevi um pequeno livro, como reflexão daquele momento, que
imaginei de alguma forma pudesse servir como alimento para a discussão. Escuta Zé Dirceu não era um livro considerado profundo, nem eu tinha essa pretensão, porém na sua essência já percebi que havia nele algo que muita gente não estava a fim de levar em consideração, principalmente o Zé Dirceu. Na entrevista que fiz com ele, em seu escritório na Vila Mariana, numa manhã de segunda feira, entre os preparativos para uma campanha a governador ele, generosamente, respondeu a todas as perguntas relacionadas a dois amigos comuns, um deles, inclusive, me foi apresentado pelo próprio Zé Dirceu - o jornalista Jorge Batista; o outro era Zé Arantes. Discordamos apenas num item, o mais importante do pequeno livro, e que hoje repercute acidamente no desfecho e nos Dias de Tormentas em que ele vive.
Escuta Zé Dirceu alertava para a necessidade de uma política de comunicação e a criação de um relacionamento mais moderno entre o executivo e a imprensa. Algumas experiências vividas por administrações municipais, já àquela época, apontavam para as dificuldades que teria um governo comprometido com a parcela mais pobre da população. Num regime democrático, diferentemente de um regime revolucionário, é preciso dar ouvido e voz à oposição respondendo à altura o que pode e deve ser respondido. E num regime democrático, o canal de expressão de todas as oposições, fartamente utilizado pelos signatários das propostas do Zé Dirceu, tem sido o parlamento e a imprensa. Não seria diferente num governo do PT. A diferença está em saber quem manda nos veículos de comunicação social? Para as “classes dominantes”, quando se tem em mãos ministérios e secretarias de governo, não há necessidade de fazer da imprensa uma trincheira. O que faria, então, a “direita”, caso perdesse esse poder de Estado? Zé Dirceu relevou essa questão. Lembrei do fracasso da política guerrilheira de Daniel Ortega, na Nicarágua, quando num pleito democrático perdeu o poder para a magnata das Comunicações, Violetta Chamorro. Citei, ainda, o caso das câmeras Betamax, usadas “democraticamente” para motivar a população a votar contra o governo sandinista. Nada disso comoveu o líder petista.
Quando perguntado a respeito do monopólio das comunicações, ele respondeu academicamente que o Estado não tinha esse monopólio e sim o das concessões. Tudo bem, cara-pálida. Qualquer letrado sabia que existia um caminho entre a Lei e a Espada. Eu e a torcida do Corinthians entendíamos que a Lei dizia que o Estado tinha a concessão, mas era a Espada quem determinava o que fazer com ela, hoje não mais. E agora, Zé Dirceu? Ele respondeu categoricamente - e isso está lá registrado nesse pequeno livro de pouco mais de 100 páginas - o que pensava em 1994 a respeito dos meios de comunicação. Zé Dirceu chegou a afirmar que, talvez, fosse o caso de transferir para as empresas privadas o direito da concessão, desde que elas pagassem os custos de infra-estrutura. Está escrito lá, quem tiver interesse é só consultar o endereço, abaixo, sobre este trecho. http://www.jornalmacunaima.speedycorp.com.br
Mas, voltando à questão inicial desse texto (Zé Dirceu e o Quarto Poder), é possível dizer sem remorsos que o inferno astral vivido hoje por Zé Dirceu, em grande parte, é de sua responsabilidade. Ele não aceitou discutir questões que pessoas de sua estima já alertavam, com todas as letras. Conforme aponta a nota de Deonísio Silva, abaixo, o Quarto Poder ameaça a estabilidade democrática desde há muito. Por conta disso lembrei de um conto de Machado de Assis, que de revolucionário só tinha sua literatura, quando coloca em dúvida o sistema de representação republicano, nos seus primeiros anos de existência. Nos tempos de machadianos, mulher não votava, pobre não votava, muito menos analfabeto. Hoje vota. No entanto, a nossa democracia ainda está relevando à imprensa um papel auxiliar, como o das Forças Armadas que, republicanamente, como diria Paulo Henrique Amorim, vem respeitando os limites da Lei. Já quanto à imprensa, não sabemos.
(*) A IMPRENSA É O QUARTO PODER
Esta frase, que expressa em boa síntese a importância que tem a imprensa, deve sua criação ao escritor e grande orador britânico Edmund Burke (1729-1797). Ao lado dos três poderes clássicos de uma sociedade democrática, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, a imprensa seria o quarto poder pela influência exercida sobre as votações do primeiro, as ações do segundo e as decisões do terceiro. Quem mais divulgou a frase em seus escritos, defendendo a mesma concepção, foi o famoso historiador e crítico inglês Thomas Carlyle (1795-1881). A imprensa foi sempre importante também para nossas letras. Os primeiros romances brasileiros foram publicados em jornais e revistas. (DS)
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
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